COVID-19: A caução era uma boa alternativa, e agora?
O COVID-19 não veio impedir apenas que pessoas e mercadorias cruzem as fronteiras. Também o dinheiro não circula da mesma forma. Além das trágicas consequências humanas da pandemia, o impacto a outros níveis está a desenvolver-se a um ritmo exponencial, nomeadamente a nível económico.
De acordo com a Conferência das Nações Unidas, sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), a desaceleração da economia global causada pelo COVID-19 custará pelo menos US $1 trilião em 2020.
Uma das principais questões que se colocam agora é: quanto tempo vai durar esta pandemia e quais os seus impactos? Num estudo desenvolvido há umas semanas pela Oliver Wyman são apontados 3 cenários possíveis:
1. O pior já passou dentro de 2 a 3 meses
- As empresas vão retirando as restrições de viagens e a procura volta ao normal;
- O impacto no fornecimento, devido à paralisação da indústria chinesa, é sustentado por stocks armazenados;
- Resultados do primeiro trimestre diminuem, mas uma recuperação rápida permite que as empresas voltem ao normal no segundo.
2. 6 meses para recuperar o controlo
- As empresas mantêm as restrições de viagens e o trabalho remoto;
- Os sectores mais vulneráveis sofrem uma queda na procura, no segundo e terceiro trimestres, e tomam medidas para estabilizar os balanços e garantir a liquidez;
- Os impactos na cadeia de fornecimento ocorrem durante um período de seis meses, após o qual começarão a estabilizar e recuperar;
- O ritmo de crescimento desacelera nos países mais afetados.
3. Mais de 12 meses – pandemia em desenvolvimento
- Queda na procura (por diminuição da confiança dos consumidores, dificuldades no fornecimento, trabalhadores independentes com menos rendimentos, etc.) faz com que o crescimento desacelere no quarto trimestre;
- As empresas de sectores mais atingidos (transportes, energia, turismo) exigem liquidez adicional, desencadeando uma crise mais ampla da dívida corporativa, que os bancos centrais lutam para conter;
- Estímulo governamental para reforçar a confiança do consumidor, à semelhança do que aconteceu na crise financeira de 2008.
Começa a ficar claro que o primeiro cenário está a ficar ultrapassado e que nos temos que preparar para um dos seguintes. Independentemente do cenário que se venha a verificar, é muito provável que os analistas de risco no mercado segurador de caução reduzam o seu apetite. Essa redução será tão maior quanto mais demorar o retorno à atividade económica normal. Nos últimos anos, as empresas têm-se voltado para o seguro de caução como substituto viável de várias formas de garantia, nomeadamente garantias bancárias. Os seguradores têm-se mostrado interessados em emitir cauções para as convencionais garantias de empreitada/fornecimento e de boa execução, mas também para garantir pagamentos relacionados com proteção ambiental, aduaneiras, fiscais, entre outros. Este mercado tem-se expandindo com novas ofertas de produtos, nomeadamente pelos constrangimentos da banca portuguesa, e tem ganho ampla aceitação em muitos mercados nacionais e internacionais.
À semelhança do sector bancário, a subscrição de garantias pelos seguradores exige que as empresas mantenham rácios financeiros mínimos, o que poderá vir a revelar-se difícil. Por outro lado, a atual conjuntura poderá levar também à execução de algumas garantias, contribuindo assim para um aumento da sinistralidade.
Assim, são expectáveis impactos negativos em vários sectores de atividade, e não só nos mais afetados pelo COVID-19. O sector da construção, um dos mais tradicionais no mercado de caução, onde o incumprimento de prazos, os litígios e a potencial evocação das disposições de “força maior”, poderão fazer crescer a chamada das garantias e gerar uma maior retração no mercado.
Apesar de todos estes prováveis entraves, têm-se vindo a obter reações muito positivas dos mercados seguradores especializados em crédito e caução, quanto ao esforço que estão a colocar, dentro do atual contexto, para um contributo positivo à economia real. Fiquemos atentos para ver como se materializará este esforço, não só nos próximos meses, mas especialmente nos próximos anos, quando esta crise estiver refletida nos balanços das empresas.